7 de out. de 2014

Mal n'est pas né, il est fait.



E quando a bagagem que você carrega todos os dias pesar demais? E quando aquela doce torta de decepções não tiver recheio o bastante e as pessoas ao seu redor insistirem em aumentá-la ao seu bel prazer? E deixou seus pensamentos irem juntamente com o vento gélido da noite vazia, assim também como deixou aquele vento gélido entrar pelos seus poros e invadir a sua mente, invadir a sua alma, varrendo então todo o conteúdo que lhe complementava e deixando aquele doce, antes apetitoso, amargo e intragável. Deixou então que lhe jogassem o veneno, e tal veneno iria estragá-lo por completo, deixando então que lhe restasse apenas a podridão do que um dia fora doce. O vazio então se torna o desprezível, o indispensável, e aquela satisfação que um dia tivera, fora apenas passageira, e não fora o suficiente para deixá-lo satisfeito, completo e feliz. A felicidade que tende a inventar é falsa e fútil, e todo o seu esforço para construir tal castelo de cartas é completamente em vão, justamente pelo simples e explícito motivo de jamais ser o suficiente, jamais sentir-se o bastante, e apenas um sopro forte, um fósforo aceso e álcool, ou uma mão forte é o necessário para derrubá-lo. Caminhar por aqueles corredores tortuosos com tais pensamentos na cabeça não lhe fora o suficiente, a sua sentença de morte havia sido decretada há dias atrás e agora cumpriria-lhe o que por último lhe apetecia. Seus passos eram lentos, no rosto não demonstrava a dor da derrota ou a mancha de tal sentença, mas ninguém podia ver que sua alma estava pendendo imunda logo ao seu lado. As cicatrizes que carregava pelo próprio corpo não representava as sucintas palavras que ouvira alguns dias atrás, mas ao contrário do que geralmente fariam, não refutava. Obedecendo também o seu comportamente contrário, fora de cabeça erguida e antes de sair da sua cela, havia pedido para que não lhe dirigissem a palavra saberia a hora certa para dizer as suas próprias últimas palavras. Sentara-se na cadeira e não virara o seu rosto para encarar o seu executante, que já preparava a agulha de jeito ávido, como se fosse aplicar então uma cura em alguém, mas na verdade estava aplicando a cura para uma alma completamente doente, para uma mente completamente distorcida e podre. E em um piscar de olhos, sentira a dor da agulha perfurar-lhe a pele alva, e antes que iniciassem a aplicação podia ouvir o som dos violinos que o pai e o tio tocavam quando era pequeno, e logo o primeiro delitos e todas as outras atrocidades que cometera sem pensar sequer duas vezes. Pouco a pouco o seu remédio era aplicado e pouco a pouco sentia seu corpo flutuar. Sua mente agora estava limpa, e sentia como se todos os seus nervos estivessem sido um a um desligados, pouco a pouco sentia sua cabeça pender ligeiramente para o lado esquerdo e mesmo que já não sentisse boa parte do rosto, pronunciara com o esforço de manter-se vivo para que pudesse então dizer: "A morte era o ponto da satisfação que eu tanto buscava, e ela está vindo, me abraçando com suas asas negras e me acolhendo com a frieza da sua forma esquelética. Está... vindo." E veio. Morrera com os olhos abertos, mas não podia-se mais ouvir a sua respiração pesada, e também não podia-se notar movimentos que provavelmente fazia, e logo o seu pescoço amolecera, assim deixando que a cabeça tombasse de uma vez por todas. E mais uma vez findara uma vida, tendo a alma acolhida pelo abraço frio da morte e ainda assim acolhedor. E aquele corpo morto seria apenas uma mancha, a verdade era que nada mais contaria. O seu corpo já não contava mais, pois o seu remédio fora ao mesmo tempo o seu veneno.

2 comentários:

  1. Se tem uma coisa que eu sinto falta é de um tempo que eu não sentia falta de absolutamente nada e que viver não era tão pesado. E eu consegui identificar isso no seu texto, nesse modo como nós vivemos carregando os problemas que nós pensamos que solucionamos, mas que na verdade, mesmo depois de solucionados ainda continuam conosco, esse peso e principalmente a insatisfação. E antes de eu tenho que dizer que o modo como você escreve me lembra muito o Oscar Wilde e em "O Retrato de Dorian Gray". Amei muuuito mesmo.
    cronicasdeumlunatico.blogspot.com.br

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  2. Incrível. Nem sei oque comentar porque isso tudo foi incrível cara... Seu blog é demais mesmo ok? Sentia falta de ler com prazer sem importar com o tamanho do texto, quando me dei conta já estava no final... Será que eu preciso dizer que você escreve bem? hahahaha. Amei.

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